10 DE MAIO DE 2012
Românticas ou não, as pessoas são flagradas invariavelmente de olhos fechados. Quando um casal se beija, quando abraçamos ou falamos ao telefone à noite com pessoas que gostamos e não vemos há algum tempo. Estas ações podem durar apenas alguns segundos para a maioria das pessoas. Para outras, esta é a realidade — e, na maioria das vezes, para o resto de seus vidas. O que muda, então, quando uma pessoa com deficiência visual se torna fotógrafa? Absolutamente nada.
Em seu mais célebre romance, A insustentável leveza do ser, Milan Kundera declara que se alguém procura o infinito, basta fechar os olhos. Sendo assim, fotógrafos cegos são capazes de ver o infinito o tempo todo.
Isso se torna ainda mais claro quando vemos o trabalho do esloveno naturalizado francês, Evgen Bavcar, por exemplo. Bavcar (pronucia-se “Bauvchár”) é cego dos dois olhos, desde os 12 anos e, teoricamente, nunca viu nenhuma de suas fotografias.
“Eu fotografo o que imagino. Os originais dentro da minha cabeça. É uma questão de criar uma imagem mental, o registro físico que melhor representa o trabalho do que se imagina. Minhas imagens são frágeis, eu nunca as vi, mas sei que elas existem, e algumas delas me tocam profundamente só de ouvir falar”.
O trabalho de Bavcar se destaca peculiarmente pelo contraste da composição da luz em ambientes totalmente escuros.
Amy Hildebrand já vê o mundo de outra maneira. A norte-americana de 27 anos tem albinismo e nasceu cega. Até que, durante a adolescência, passou por uma série de tratamentos que restauraram parcialmente sua visão. Em setembro de 2009, Amy iniciou um projeto intitulado 1000 fotos em 1000 dias, em seu blog With Little Sound. Diferentemente dos contrastes de Bavcar, as fotos de Amy são caracterizadas pela harmonia entre enquadramentos e composições mais suscetíveis à luz.
Também em 2009, Damon Stea, um estudante de cinema registrou no minidocumentário Obscura (abaixo) os trabalhos dos fotógrafos cegos norte-americanos Kurt Weston, Bruce Hall e Peter Eckert. Embora com estilos bem diferentes, os três trazem consigo a mesma característica intrínseca a todos os profissionais da área (cegos ou não): a sensibilidade.
Perguntei a um fotógrafo com visão, Arthur Fujii, sobre como seria fotografar de olhos fechados e se ele mesmo já havia feito isso. Fujii declarou que fez a experiência algumas vezes, e que esse é um processo realmente complexo. “Quando você ‘tira’ um dos sentidos, você acaba aguçando os outros restantes. Por exemplo, quando preciso de concentração, automaticamente fecho os olhos e começo a imaginar o que quero fotografar. Isso porque, preciso me encontrar com um mundo abstrato; acontece, principalmente, quando o que está na minha frente me impede de sentir o que aquela situação quer transmitir. É como limpar a mesa do escritório; sempre fica mais fácil de trabalhar com a mesa limpa”, diz.
Podemos dizer que a peculiar diferença entre os fotógrafos cegos e os que têm visão é justamente esta: a mesa (ou a mente) sempre limpa. Os enquadramentos, composições e profundidade de campo dos profissionais com deficiência visual contam com uma boa dose de criatividade e sensibilidade para elaboração do trabalho. Para quem não consegue enxergar — no sentido literal da palavra — a ajuda de outras pessoas com visão é bem-vinda, mas nem sempre imprescindível, como provam estes fotógrafos. Porque, afinal, o essencial é invisível aos olhos.